Pepe Mujica sobre a Venezuela

"Parte da esquerda não aprende as lições da história"

Créditos: Site Outras Palavras

Amigos, os humanos ao que parece,  somos os únicos animais capazes de tropeçar várias vezes na mesma pedra. Não aprendemos que as condições impostas, por exemplo, pelos vencedores da guerra de 1914 criaram as condições políticas e sociais que deram berço ao fanatismo nazista que depois conduziu à segunda guerra mundial. Não aprendemos que usar Sadam contra o Irã, inflá-lo, para depois esmagar seu povo iria gerar uma onda de fanatismo que conduziu ao “Estado Islâmico”. Não aprendemos que a aventura no Afeganistão, usando Bin Laden, mimando-o, depois geraria a criação do fanatismo talibã. E é inútil, repete-se novamente. Isto aconteceu muitas vezes, e, na verdade, não foi aprendido com a desgraça da Líbia, que está ali, saqueada, dividida entre facções. 

      Diz-se que ano passado eles traficaram 25 bilhões de dólares em petróleo e que lá a população masculina de cor está sendo violada. São escravizados e colocados em botes de borracha para se afogarem no Mediterrâneo. E estão na boca da Europa. E a gente pergunta: O que são os direitos humanos? Poderia continuar falando de Síria, Palestina, etc. A Europa, que foi o berço da revolução industrial, motor da mudança civilizatória, que conseguiu sair da Segunda Guerra Mundial com seu projeto de tentar se juntar, de se unir para escapar da subordinação imposta por um mundo bipolar e ter uma alternativa... A Europa hoje renuncia a ser um pólo importante, uma alternativa aos emergentes, especialmente para a América Latina e para a África e aí está, subordinada diante de um mundo que torna a se fazer unipolar porque o senhor Trump e sua equipe o impõem dessa forma. 



      É incrível que a Europa não possa compreender que é imoral, profundamente imoral, o que estão fazendo com o povo venezuelano. Não com o governo. Estão levando ao confronto e ao sofrimento por não apresentar uma alternativa, por não tecer uma alternativa porque os Estados Unidos não querem. E, naturalmente, isso não pode gerar nada além de fanatismo. E o fanatismo vai criar grupos de jovens resistentes. E haverá jovens nas montanhas, as selva. E haverá anos de dor para aqueles que acreditam que o problema venezuelano era uma passeio. Não entendem que não se pode esmagar as pessoas da maneira que se está fazendo. Vencer não é o mesmo que convencer a conviver. Se vencer significa esmagar porque não se cria uma alternativa, os conflitos que se seguirão durarão certamente anos. Há um só caminho: um compromisso eleitoral, gerido somente pelas nações unidas, que garanta que eles possam transformar o confronto em “confronto nas urnas” e aprender a conviver com as diferenças. 

      Amigos, será correta aquela afirmação, de que a guerra é, no fundo, a política por outros meios? E se assim o for, não teremos de recorrer à política para evitar a guerra? Esta é uma questão dos tempos em que vivemos, porque nos parece que discutir legitimidades no que diz respeito à situação na Venezuela, nesta altura, não faz qualquer sentido. Ilegítimo é absolutamente tudo, não é um problema de legalidade, é um problema de realidade dramática, entre a escolha da paz ou da guerra, e portanto, impõe-se a política que significa vontade de negociar. Negociar não é equivalente, necessariamente, a dialogar, negociar é evitar encurralar e dizer: “Eu dou a você, para que você me dê”. É trocar, negociar o quê? A única coisa possível e necessária: Uma democracia mais plural e conflituosa, mas que reconheça a existência de todos. Não existe uma oposição, existem várias oposições.
   


       Há Chavismo opositor. Lá estão os partidos tradicionais, no próprio bloco do governo existem mais do que matizes, neste governo civil-militar. Portanto, pluralidade. E o que significa negociar? Negociar um processo eleitoral, livre, com participação e representação de todos, o que significa eleger um executivo e um parlamento. Mas não há ninguém confiável na realidade interna da Venezuela de hoje e, como tal, as Nações Unidas, deveriam estar presentes e se comprometer a garantir e dar garantias para um processo eleitoral absolutamente aberto com a participação de todos. Porque, em suma, só o pluralismo garante uma saída para esse confronto estúpido que só gera fanatismo. É claro que esses passos significam claramente audácia das Nações Unidas e, em particular, a responsabilidade da Europa, a quem nos dirigimos desesperadamente, para que não permita que a nossa América Latina se envolva num conflito, cuja base é, infelizmente, geopolítica.

   Porque há parte, grande parte, de interesse dos Estados Unidos, que não podem permitir que a china continue avançando e fique como gerente e proprietária das reservas de petróleo da Venezuela. Este fenômeno está no fundo e não pode ser separado de conflitos, de disputas que existem entre China e Estados Unidos. Mas há outro Estados Unidos, aquele que não quer assumir a responsabilidade da intervenção, porque há toda uma história no sul, da qual padecemos. E estão conscientes do perigo que significa um novo passo intervencionista, porque o Sul existe, e o Sul também é América.



      Por tudo isso, este pequeno espaço não é outra coisa senão, um grito desesperado, em nome de muitos latino-americanos, de que não cruzem os braços diante da possibilidade de um conflito. Porque há possibilidade de negociar, se a Europa quiser, e se impor e ajudar. Porque, naturalmente, essas contradições existem, e seria doloroso, muito doloroso, se a fronteira colombiana fosse usada como pretexto. A Colômbia já teve muita desgraça em sua história, com anos e décadas em guerra para cair imersa num conflito que alguns tolos podem considerar passageira, mas esquecem os que é a história, os montes, a selva, as montanhas da América e a dor da América.

      Por favor, Europa, ajude a encontrar uma saída negociada, porque existem condições. Mas isso significa: Nenhum preso político, participação de todos, liberdade absoluta e garantias, que só podem ser dadas pelas Nações Unidas.Porque nenhuma força dentro da Venezuela tem confiança hoje, há uma crise de confiança e somente com mais democracia essa circunstância pode ser ultrapassada. Por favor Europa, não fique surda. Na nossa civilização há muito do Mediterrâneo.

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