E SE TUDO DER CERTO?



Meus amigos e eu temos o costume de falar muito sobre o futuro, acho que herdamos isso dos nossos pais, crescemos ouvindo desde a escola primária que somos o futuro da nação, que no futuro o Brasil será uma grande potência, somos um povo com grande potencial, na escola as professoras sempre terminavam as conversas com as mães que iam na escola com a frase: "... então é isso dona Hulda, o Igor está muito desatento, fica envolvendo com colegas mais baguncentos, mas ele é inteligente, só focar nos estudos e deixar as brincadeiras para a hora certa..." e por aí terminava mais um ano letivo onde eu sempre me dava bem na notas, saudades dessa época. Cresci sempre com os mesmos amigos, conjecturando sobre a possibilidade de ser militar, político, jogador, pastor evangélico, empresário, engenheiro, piloto de avião, ou até mesmo um viajante mochileiro por aí, dentre esses assuntos sempre saía a frase em forma de pergunta: - Mas e se tudo der errado? É isso mesmo cara, sabe que nem todo mundo consegue entrar na UFG, ou Instuto Federal que seja, as vezes tu vai ter que se satisfazer com o que der né, sabe que fulano não fazia nada e decidiu estudar pro concurso de guarda de trânsito e hoje tá com a vida boa, quem sabe tu não passa no concurso da Comurg e tá tudo certo? Mas cara, se tudo der certo eu quero é algo bem alto, prefiro fazer o que o pastor Mateus Ribeiro me disse, mirar no sol pra estar entre as estrelas.

    Em meio a conversas buscando ver quem tem a imaginação do carro do ano mais top pra ser o seu: - Ah o meu carro seria um Lamborghini Gallardo, tu nem imagina o que eu vi outro dia na porta do Vila Mix! Outro intervinha dizendo: Que nada, cê que não sabe o carrão que o dono do Labodeguita tem, quero uma caminhonetona daquele nipe. Eita, mas o Ronaldo Fenômeno pode comprar um daquele com o dinheiro de um dia. E terminavamos a discussão sonhando cada um indo pra sua casa com a idealização de um futuro utópico, sabendo que a única certeza que tínhamos na vida era a morte e a incerteza de um futuro promissor. Naquela mesma semana um colega que jogava golzinho de rua com a gente foi morto por dois caras de moto, certeza que era a polícia fazendo o limpa, não podem matar fardado, o Marconi mandou passar o aço em todos maloqueiros conhecidos. kaled, Fabinho, Hermes, Weliton, Duda, Jeová, Inderlan, Soldadinho, Cássio e tantos outros já viraram estatística que no final das contas a vizinhança só torcia pra que a Vila Montecelli não tenha mais um marginal roubando os bairros vizinhos e as lojas em torno da cidade. Traduzindo pro bom português, só de não ser preso, não ser morto já era considerado alguém que se deu bem na vida. Trabalhar de carteira assinada já era um grande trunfo. 
   
     Então o cálculo de vida passou a ser simples, se nivelando por baixo já era fácil ter noção do futuro que poderemos ter, evitando as drogas, o crime e cair numa cilada dessas trabalhar e não receber já era "lucro". Uma vida baseada em: se tudo der errado vou estar assim. A faculdade se tornou o novo objetivo com os programas de incentivo à entrada de alunos de baixa renda e escola pública ao ensino superior foi um horizonte muito bom que a mim e meus amigos pudemos vislumbrar que não havia antes. Viver assim é fácil, definir o mínimo de vida que queremos ter num futuro próximo é algo que nos conforta e anima da possibilidade de não morrer e não ser preso ou ficar doente preso numa cama. 


    
       Pensei já em ser pastor, arrebanhar multidões com minhas pregações, mudar a vida das pessoas, ter o dom da oratória, converter pessoas ao modo de vida Cristão. Porém que loucura, eu meditando bem, nem eu que nasci e cresci na igreja vivi por um dia sequer o modo cristão integral, como poderia eu ser a voz que determina a outros o que deveriam fazer ou deixar de fazer. Olha só, eu sei que devo apontar pra Cristo, mas Cristo não precisa de mim, eu sei que preciso dEle. O modo de ser pastor como me foi apresentado me pareceu incoerente, pois ainda mais aqui nesse Brasil, terra de exploração, ser pastor é mais sinônimo de ser servido do que de servir. Vejo tantos enriquecendo, pregando a prosperidade, alimentando a ganância inerente ao homem caído e tão poucos enfatizando o que realmente importa, o homem regenerado, excluído pela sociedade, mas acolhido por Deus, não importando bens ou posses, posição social ou nível educacional. Vejo mais a promessa de um Deus serviçal dos interesses humanos do que um Deus poderoso que com o estalar de dedos pode reduzir tudo a pó. Ser pastor pra replicar o modelo antropofágico capitalista não me seduziu. Eu me veria como uma peça irrelevante na engrenagem de fritar cérebros que se tornou a igreja, a televisão e as coisas alienantes que antes eu via como inofensiva. Quero ver pessoas com a vida mudada, mas não serei eu o protagonista da mudança da vida de ninguém, pois ninguém quer ser coadjuvante de ninguém e eu não quero roubar o protagonismo no único teatro que as pessoas devem ser as principais, a própria vida. Pois Jesus disse: Ame ao seu próximo como a ti mesmo e ame a Deus sobre todas as coisas. Amar é colocar em evidência, em proeminência e se nos colocamos como peça complementar tudo na nossa existência é irrelevante, a existência em si deve ser protagonista. Para exemplificar, mesmo que um filme seja sobre uma grande guerra e grandes generais e presidentes de países, a história vai girar em torno de um simples decodificador de mensagens trocadas pelo inimigo, e esse descriptografador é em sua simplicidade, personagem principal daquele contexto. 
   
      Não importa se tudo tem uma logica maior que permeia todo funcionamento, o que importa é que a vida é para mim o que ela gera de significado para mim. A vida é uma missão incompleta sem a interligação dos pontos principais entre minha vida e a do meu semelhante que montam uma lógica em construção. Voltando pra o fato de querer ser pastor evangélico, descobri que há outros modos de cumprir um propósito, há várias formar de percorrer um caminho. Posso ajudar meu país, minha família, minha comunidade, minha universidade, minha empresa onde trabalho de várias maneiras distintas. E quando digo minha é porque quando estou nelas elas estão na minha vida. Quero ser presidente, mas posso fazer história sem colocar a faixa presidencial no peito. Posso ser um empresário de sucesso, ser capa de revistas de homens poderosos, mas também posso cumprir meus propósitos sem precisar alardear pra todo mundo saber. O reconhecimento é algo que buscamos, mas se racionalmente meu objetivo é ser relevante, vou me preocupar em ser útil às pessoas que me rodeiam. 

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