Igor entrevista Igor

 "Olá, chega mais perto, não precisa ter medo, não vou te machucar, embora já tenha feito isso em outras ocasiões, meu objetivo agora é te conhecer melhor. A gente tem convivido durante esses longos anos e sabe que só agora eu reparei que você já mudou muito em relação à pessoa que eu pensava que conhecia de cor e salteado? Na verdade eu vou te confessar que eu não sei se um dia já te conheci de verdade, foram tantas sentenças proferidas por outros a respeito de você que eu ouvia e tomava como certa: Olha que menino sonso, esse é lerdo, é estudioso e esforçado, é muito lento, fala alto demais, precisa ter mais atenção, é ruim de memória, é inteligente, é muito teimoso, é muito sentimental, é bem comunicativo, é uma pessoa muito boa de se conversar, um rapaz alegre, um menino bom, entre outros... Bem, chegou a hora de você revelar um pouco quem você é de verdade."


Eu: Qual a sua origem?

Igor: Sou filho de uma mulher que se engravidou aos 17 anos, minha mãe era a filha do meio de 11 irmãos, a terceira mais velha das mulheres, nasci na maternidade Nossa Senhora de Lourdes no Bairro de Nova Vila em Goiânia, capital de Goiás. Meu pai embora tenha me registrado como pai, nunca cumpriu seu papel em minha criação, sempre distante, cresci na Vila Montecelli, e ali aprendi a maior parte das coisas sobre a vida, sempre com o auxílio das igrejas e da escola pública que frequentei, escola estadual Joaquim Câmara Filho, escola municipal Donata Monteiro da Motta e Colégio Estadual Olga Mansur, todos na Vila Montecelli onde também fiz amigos alguns amigos de infância que considero até hoje, como o Lucas Vinício, o Leandro, o Bruninho, o Brunão, o Leonardo, o Jales Junio, o Michael Bruno, o Jabá, o Jean, o Chico, a Nara, a Sara, o Johnathan, o Lucas Augusto, o Cássio, o Madson, o Guilherme, o Wilker e tantos outros que moraram naquele buraco comigo e passaram um pouco da minha infância comigo. Sou menino criado com a vó materna, dona Josefina que sempre me ensinou muito sobre as coisas de Deus e da vida, sempre me contou histórias quando eu sentava aos seus pés depois de pedir a benção, beijar-lhe a mão e o rosto, e dar um forte abraço. Meu pai trabalhou na Papelaria Tributária e também nas Óticas Brasil, trabalhou viajando entre outros empregos que arrumou, não tinha muita escolaridade, tinha o fundamental incompleto, sempre trabalhou em trabalhos de baixa remuneração, acredito que ele se sentia mal por não ter condição de dar o mínimo de condição para nós como sua família, porém não vejo ele como alguém que colocou a família como prioridade, muitas vezes minha mãe contava que ele dava preferência a família dele (Mãe e Irmãos) do que nós, sua mulher e filhos, ele nunca se casou com minha mãe, mas com ela viveu muitos anos e teve dois filhos, eu e o Yuri. 

Eu: Você tem raiva do seu Pai?

Igor: Não, acho que se eu tive foi por pouco tempo, minha mãe sempre lúcida tratou de não deixar que eu alimentasse esse sentimento em mim, ela me mostrava o que meu pai fazia, e falava que apesar dele ter o vício na bebida, ela um homem bom, honesto, trabalhador. O Sr. Neurisvan Cardoso da Silva, pra mim foi o pai distante que eu não pude aproveitar do jeito que eu gostaria, tive poucos momentos de afeto com ele, não duvido do amor dele por mim, mas acredito hoje, que ele não conseguia amar nem a si mesmo. Eu acreditei na minha mãe, ele era uma ótima pessoa, só que se transformou por causa da bebida, e hoje vejo a bebida como uma fuga de uma vida sem esperança, sem perspectiva, eu olho pra trás e vejo que meu pai não era feliz, acredito que houveram momentos que ele lutou, mas desistiu e se entregou a uma vida sem esperança e sem perspectiva de futuro, essa parte é até meio sombria, meu pai morreu de uma maneira triste, solitária e deprimente, como eu não desejaria pra pior pessoa do mundo, numa casa suja, mal cuidada, sem água, sozinho e sem ninguém por perto. A última vez que o vi foi quando fui buscar alguma coisa na nossa casa sem Senador Canedo e o encontrei, eu tinha decidido ir no estádio assistir o jogo do Goiás Esporte Clube, nunca tive o prazer de assistir um jogo com ele, queria muito ter podido assistir com ele, ele me ensinou a gostar de futebol, embora ele não jogasse muito. Guardo as boas lembranças dele, de vê-lo tocar violão, dançando igual o Michael Jackson ou imitando o pato Donald. Busco ao máximo ter recordações só boas com ele, mas as lembranças ruins não consigo apagar da minha mente também.  

Eu: O que você tem a dizer sobre sua mãe?

Igor: Bem, minha mãe foi e é como se fosse o sol que me guia durante a estrada da minha vida, falar dela é o assunto que se confunde e muito com quem eu sou, minha mãe foi minha base, meu chão em todos os sentidos, ela me nutriu o corpo, a alma e o espírito, ela como ninguém venceu todas as limitações por mim e pelo meu irmão, literalmente tirou da própria boca pra nunca deixar faltar nada para mim, para que hoje eu diga que nunca tive falta de nada, ela teve que ter falta de muita coisa, ela deixava de cuidar de si mesma, quando ela ia no salão fazer alguma coisa pra se cuidar era uma raridade, ela não se envolveu com outros homens, sempre buscou a reconciliação com meu pai, mesmo sendo meu pai um cara totalmente dispensável na vida dela, ela sempre quis realizar o sonho de uma família feliz, muito católica, muita fervorosa em sua fé, amava programações jovens da igreja, sonhava em me ver vestindo uma farda de bombeiro. Me levava nos desfiles de 7 de setembro no centro de Goiânia. Dizia pra todo mundo que tinha um filho muito inteligente, ela não só acreditava em mim, como apostava todas as fichas em mim. Nem sei se um dia vou acreditar tanto em mim como ela acreditou. Minha mãe sempre me deu exemplo de índole, de trabalho, de honestidade, de não deixar se abalar, de ter espírito de jovem, não achava que ela ia adoecer nunca, por que ela sempre estava ali, firme e forte pra me sustentar. A vida da minha mãe daria um filme, infelizmente pra mim, não com um final feliz, nunca realizei meu sonho de fazer o melhor por ela, sinto que eternamente irei ser um devedor do que ela fez por mim, só poderei pagar com minha gratidão. O que eu aprendi sobre Deus foi com a Sra. Hulda Oliveira Ferreira, minha mãe tinha uma mancha no rosto, desde novinha aprendeu a lidar com gracinhas na rua, nunca foi uma pessoa pra baixo, nunca se abalou, pelo contrário, seus objetivos eram claros: Dar o melhor pros meus filhos. Foi também uma mulher que aguentou muita humilhação gratuita, suportou gente arrogante de todo jeito, trabalhou no serviço que aparecesse, nunca passou a mão na minha cabeça, sempre me mostrou que a vida não é fácil, que nem todo mundo é amigo e que se a gente quiser algo tem que correr atrás porque não vai cair do céu. Minha mãe, foi meu exemplo, minha luz, minha força quando as forças já tinham acabado. 

Eu:Quanto você carrega hoje da época que vivia com seus pais?

Igor: Hoje, com 26 anos, é com pesar que posso dizer que já passei mais tempo da vida sem meus pais do que com eles, eu gostaria tanto que eles tivessem presentes em certos momentos pontuais na minha vida sabe, gostaria que minha mãe me visse ir no dia do alistamento militar, gostaria que meu pai me pegasse na porta, assim como vi vários garotos sendo buscados pelos pais. Gostaria que minha mãe visse o resultado da minha primeira aprovação no vestibular, gostaria de apresentar minha primeira namorada, gostaria de poder compartilhar a companhia deles em uma viajem qualquer nem que seja pra pertinho. Gostaria que meu pai me ajudasse a aprender dirigir, gostaria que meus pais estivessem lá quando fui aprovado na carteira de motorista. Da época que vivia com eles eu posso dizer que ainda carrego desejos, sonhos de uma melhora de vida, sonhos de ter ter uma vida digna como qualquer cidadão e poder dizer que ficou pra trás toda aquela realidade de necessidade e precariedade. 

Eu: Qual ou quais as experiências mais marcantes da sua vida?

Igor: Uau, essa eu realmente tenho que selecionar bem, porque minha via é marcada por muitas emoções fortes, como a vez que encontrei minhas tias batendo na cara da minha mãe dentro da nossa casa, após ela ter chegado cansada depois de um dia de trabalho, acusando ela de estar traindo meu pai e meu pai bêbado jogado na cama. Outro momento foi quando minha tia Eneida, irmã da minha mãe, foi defender ela, nos buscando da nossa casa em Senador Canedo e discutindo feio com a família inteira do meu pai, que anteriormente tinha feito o arregaço contra minha mãe, sozinha sem como se defender. Morte do meu avô materno, Sr. Itamar de Paula, era meu herói sem capa, eu era com certeza o neto que mais o amava. Depois a morte do meu pai, logo que voltei da escola numa manhã de agosto de 2006, minha prima Isis nem deixou eu chegar em casa e já foi me contando que meu pai havia morrido, ela falou sem refletir que ele ainda era meu pai, e eu nem consegui entrar pra dentro de casa, segui a rua e fui parar na casa do Jales onde eu chorei muito. O período mais marcante da minha vida foi acompanhar a luta da minha mãe contra o câncer, ver ela definhando numa cama, ver ela urrar de dores fortes que nem remédio tirava, ver ela ficar magra demais a ponto dos ossos ficaram mostrando na pele, ver ela usando fraldas, ver ela com mau cheiro devido ao corrimento, ver o sofrimento no olhar dela, as conversas que tivemos, foram sem dúvida a experiência mais forte que tive na vida. E me forjou bastante a ser um outro tipo de ser humano. O dia que me batizei na igreja evangélica foi também um dia muito extasiante, o dia que vi um homem morrer na porta da minha casa, na minha frente, os ataques de esquizofrenia do meu tio Daniel, dizendo ser possessão do diabo. O dia que consegui a vaga pela primeira vez na UFG, era a relização de um sonho, entrei pro curso de bacharelado em história. O dia que beijei minha primeira namorada no shopping, depois de um dia de trabalho pra mim foi marcante como uma emoção boa. 

Eu: Igor, você se acha feio?

Igor: Bem, eu atualmente não estou feliz com minha forma física, sinto que engordei e não estou tendo facilidade para perder peso. Quando mais novo me sentia bem mais feio do que hoje, me sinto alguém que tem o seu lugar, não me considero e estou longe de me sentir uma das pessoas mais bonitas, porém acredito que o tempo me fez bem, quando eu era mais novo, era seco, minha pele era mais mal cuidada, meus cortes de cabelo eram todos em salão de corte gratuito, na escola de cabeleireiros, minhas roupas sempre foram roupas baratas, eu sempre usei o que dava pra usar, nada da moda, ou nada que eu mesmo escolhesse, demorei muito a escolher minha própria roupa. Eu confesso que já tive vergonha da minha cor de pele, do meu cabelo, não gostava de não estar no padrão de beleza que fazia mais sucesso nos filmes e novelas da televisão. Quanto à minha aparência sempre fui muito inseguro, em relação a minha altura, por não conseguir ser alto como meus tios e meu avô. Hoje faço relaxamento no cabelo e deixo a barba crescer, de certo modo tenho uma aparência aceitável, acredito que preciso melhorar minha forma física, depois disso posso até me considerar um cara arrumadinho. 


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