Decido me alienar


      

     Eu decido hoje ficar alheio a essa realidade caótica que me cerca. Hoje, logo hoje me encontro com o caos que é o mundo real, a aleatoriedade num mundo de infinitas probabilidades da realidade que salta aos olhos. Hoje ficou pronto o podcast que gravei com o Vinício, meu amigo com quem morei em Pelotas, chamado "Ganesha e o Rato", falando sobre fé, espiritualidade e ciência. Coisas abstratas que no mundo das ideias é tão saboroso debater e refletir. 

     Era pra hoje, dia 21 de Outubro de 2020, quarta-feira ser um dia normal, dentro da normalidade permitida nesse contexto de pandemia de corona vírus e covid-19 matando aos milhares mundo a fora. Era pra ser o último dia de treinamento na turma de atendimento da Enel (Companhia de distribuição de energia elétrica em Goiás), na empresa de call center Atento, onde fui contratado no último dia 16, um emprego que me caiu como uma luva. Cheguei em Goiânia no meio de agosto, sem eita e nem beira, com apenas a esperança do auxílio emergencial do governo e o auxílio moradia da UFPEL (Universidade Federal de Pelotas) onde eu sou ainda estudante de ciências econômicas. 

     Dado as circunstâncias de pandemia e quarentena, lockdown eu vim morar de novo em Goiânia, de favor na casa alugada por dois colegas da época da UFG (Universidade Federal de Goiás), Devid Jorge e Vitor Salgado, no Vilage Atalaia, pertinho da casa do Leandro na Rua VA-6 Quadra 09 Lote 12. Eu estou cursado matérias a distância do curso de economia, pela plataforma e-aula, onde estou cheio de atividades pra fazer e não faço. Estou fazendo Microeconomia II, Macroeconomia II, Fundamento de Finanças e Metodologia Econômica, matérias do quarto e sexto período respectivamente. Hoje era pra eu ter feito as provas do primeiro dia do exame da ANPEC 2021, mas decidi não fazer, não me preparei o mínimo necessário para esse dia, mesmo tendo conseguido isenção da taxa de inscrição que é absurdamente cara, em torno dos 400,00 reais. 

    O Leandro é meu grande amigo e tem me dado uma baita força estando esse tempo conturbado aqui em Goiânia, tenho feito várias refeições de graça em sua casa, ele cozinha e me chama, almoço, janta e o que ele tiver ele me convida, é como um irmão de outros pais pra mim. Hoje o Alexandre Arroyo me convidou pra morar com ele no local onde ele pretende abrir a creche de cães, hoje o treinamento foi adiado por falta de espaço no piso de operações de atendimento lá na atento, hoje fiz uma caminhada com minha tia Eneida até o parque do Goiânia 2 e voltamos. 

    Hoje enquanto conversávamos sobre os jovens da Vila Montecelli que morreram e escaparam da morte por causa das drogas naquele lugar. Enquanto eu me lembrava de um ocorrido no inicio do ano de 2020 em fevereiro, eu estava no Uruguai, retornando de bike para o Brasil, relembrava que o Reginaldo, um rapaz muito novo que acabou assassinado em fevereiro, era um menino conhecido meu, fui avisado lá mesmo em terras estrangeiras, enquanto nos lembrava-mos desse assunto, minha tia recém tinha terminado de fazer um omelete com cenoura pra mim, eu vi um carro com telefone de eletricista na frente da casa da minha tia, era um cara que estava bebendo no bar do joãozinho que abriu recentemente na esquina de lá, passou correndo um jovem gritando "socorro, socorro", logo em seguida uma turma de moleques correndo atrás dele, logo saiu uma moto com dois elementos e lá em cima, em frente ao cortiço dos maranhenses foi-se ouvido uma rajada de tiro, tinham acabado de assassinar o rapaz. Foi tudo muito rápido, eu fiquei em choque com tudo aquilo acontecendo diante dos meus olhos. 

     Perplexo, eu procurei meu telefone, que tinha deixado no quarto da minha tia, logo que peguei eu disquei o 190, só que olhando a janela apareceu a barca da choque, eles olhando pra mim, e eu espantado apontei pra cima, sentido subindo da rua e pra lá eles foram, só que claro, encontraram apenas o corpo. As cenas que se seguiram foram uma senhora com uma moça correndo e gritando em direção ao ocorrido, os moradores saindo de suas casas se aglomerando para curiar o que estava acontecendo e aqueles vermezinhos do inicio da bagunça todos voltaram para a viela 2, atrás da capela santa luzia, onde minha tia disse que virou um verdadeiro inferno a noite para os moradores dessa vila que é exatamente o lugar onde cresci e de lá saí, mas minha tia e meus tios ainda residem desde muitos anos atrás. 

     A gente fica pensando na briga política entre Bolsonaro e Dória pela compra da nova vacina contra a covid-19, na palestra de finanças muito bem organizada pelo meu querido coordenador de curso, a gente pensa sobre planos pro futuro de fechar o lote em Senador Canedo, a gente pensa em prova da ANPEC e a escolha de fazer um mestrado ou prestar concurso público. Pouco antes dessa tragédia eu estava conversando de maneira amistosa com um rapaz, que estudou com o Leandro na Faculdade, e estava me oferecendo um curso online de Inglês da Wise up online, e eu sonhando nos benefícios de me aprimorar numa língua, as leituras que ainda não fiz, aprender sobre o cenário global, política externa, direito administrativo, atualidades, saber sobre séries, filmes, músicas.... Mas hoje, tudo o que eu vi foi uma humanidade manietada, atada em tudo, sem reação diante da barbaridade, diante dessa loucura, loucura é tentar se manter sóbrio, loucura é não se refugiar no lúdico, na inspiração de uma ideia pela qual se vale a pena largar tudo e dar seu total foco. 

Por que eu decido me alienar? Porque esse foi um dos conselhos que mais me fez sentido, ouvindo numa palestra de um renomado escritor brasileiro, onde eu ouvi que alienar-se é preciso, pois alienar-se significa resinificar a própria vida. Quem se aliena se especializa, sofre menos, não se preocupa com o caos ao seu redor. 

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