Usando bitcoin como moeda legal

Satoshis para cervejas

Usando bitcoin como moeda legal

A mudança de El Salvador é um truque caro ou uma tentativa de reduzir as taxas de transação?

 

Q

uando perguntada se alguém já tentou usar bitcoin para pagá-la, uma mulher que vende café e doces em San Salvador, capital de El Salvador, responde “graças a Deus, não”, e rejeita a tentativa de fazê-lo. Um homem que vende sopa para o almoço descarta a ideia com uma risada. Na hora do jantar, com a bateria do telefone e o moral baixos, seu correspondente é apontado para um bar chamado Leyendas, onde o logotipo do Strike, uma carteira digital bitcoin, adorna as paredes. Mas a tentativa de pagar com bitcoin é recebida com confusão. O dono do bar, que controla a carteira, está desaparecido. Depois de alguns textos frenéticos, ele envia o endereço da carteira. Por fim, 26.618 Satoshis (centésimo milionésimo de um bitcoin), no valor de US $ 12,50, foram trocados por cervejas.

Em 7 de setembro, o bitcoin terá curso legal em El Salvador, junto com o dólar. O país centro-americano de 6,5 milhões de habitantes é o primeiro a tentar tal façanha. Uma semana antes do grande dia, aqueles que haviam feito planos para usar bitcoin eram a exceção, e não a norma. Três quartos dos salvadorenhos pesquisados ​​em julho pela Disruptiva, uma empresa de pesquisas, estavam céticos em relação ao plano de adoção do bitcoin. Dois terços não estavam dispostos a receber o pagamento e pouco menos da metade não sabia de nada a respeito. Tanto o Banco Mundial quanto o fmi alertaram contra a adoção, citando o impacto potencial sobre a estabilidade macroeconômica e os custos ambientais do bitcoin.

A moeda com curso legal é normalmente definida como o dinheiro que os tribunais devem aceitar para saldar dívidas. Mas a lei do bitcoin de El Salvador vai além, dizendo que as empresas devem aceitar a criptomoeda como pagamento por bens ou serviços. Também entrou em vigor muito rapidamente. Nayib Bukele, o presidente do país, que controla uma grande maioria na assembléia legislativa, anunciou seu plano de dar curso legal ao bitcoin em uma conferência de criptomoeda em 5 de junho. A lei foi aprovada apenas três dias depois.

Os céticos postularam que a mudança é apenas uma façanha: uma recompensa para Ibrajim e Yusef Bukele, os irmãos do presidente, que são criptoentusiastas. Mas o presidente afirma que a medida ajudará El Salvador a obter investimentos estrangeiros e reduzir o custo das remessas. Ele pode não estar totalmente errado. A jogada pode atrair cripto-investidores com muitos bolsos (embora possa dissuadir os mais convencionais). E sua experiência pode fornecer um estudo de caso para saber se um dos benefícios há muito alardeados do bitcoin funciona para pessoas comuns. Uma diáspora de cerca de 2 milhões de salvadorenhos envia remessas no valor de 20% do pib para casa a cada ano. Mas as transferências bancárias e eletrônicas internacionais são lentas e caras. As transferências de bitcoins de carteira para carteira são rápidas e gratuitas.

A tentativa provavelmente revelará as limitações do bitcoin também. É compreensível que muitos locais temem sua volatilidade, o que o torna inadequado para pagamentos e dívidas. Quem o aceita, como Leyendas, não lhe cota os preços, mas converte em dólares no ponto de venda. E pode haver taxas inesperadas, o que pode impedir seu uso. Existem 200 caixas eletrônicos bitcoin sendo instalados em todo o país para permitir que dólares em dinheiro sejam convertidos em bitcoins em carteiras digitais. O usado pelo The Economist cobrava uma taxa de 5%. “Não vou usar”, diz Irma Gómez, que dirige uma lanchonete perto de um desses caixas eletrônicos em Santa Tecla, uma cidade nos arredores de San Salvador. Mas ela também está intrigada. “Deixe as pessoas experimentarem.”