Formação dos Estados Nacionais


A Idade Média foi uma época marcada pelos esforços dos europeus para unir seus países sedimentando o poder real – que estava dissipado – e centralizando os governos em torno do monarca

Durante a chamada Idade das Trevas a Europa, que estava em boa parte sob domínio muçulmano, lutou até a expulsão dos árabes de seu território, consolidando a fé católica em seu continente. Em que pese a repressão inquisitorial da Igreja – na verdade uma iniciativa radical para reafirmar o catolicismo que estava ameaçado – a Idade Média foi um período de significativo fortalecimento artístico nos ramos da literatura, música, teatro, arquitetura e outras vertentes, como a pintura e a escultura; até por influência da civilização islâmica que, então estava num grau de desenvolvimento cultural e tecnológico muito avançado para a época, superando em conhecimentos os próprios ocidentais.


Os países, como os conhecemos hoje, nem sempre existiram. Na Antiguidade as cidades muitas vezes eram reinos pequenos que possuíam enorme autonomia em relação ao poder central. Principalmente a Europa, durante a Baixa Idade Média era uma verdadeira “colcha de retalhos” formada pelas cidades-estados, que eram governadas por administradores regionais. Foi entre os séculos 11 e 14 que essa região, cujo Sul estava sob domínio muçulmano, sentiu a necessidade de se unir sob governantes centralizadores. Primeiro foi a Igreja que tentou unir o continente sob sua batuta. Fracassada essa empreitada, monarcas como Luis XIV de França, o absolutista chamado “Rei Sol”, adquiriram poder político e militar e, subjugando os líderes regionais, fomentaram a união nacional. O Sacro Império Romano-germânico e os Estados Italianos são dessa época. Esses, que tinham na verdade uma “pseudo-coletividade”, só vieram a se unir num verdadeiro poder central por volta do século 18.
Os Estados Nacionais surgiram a partir da unificação dos feudos em governos exercidos pelos reis que, aliados à burguesia, promoveram a centralização do poder político, bem como a unificação de pesos e medidas e a instituição de exércitos nacionais unificados. Portugal, durante o século 12, tornou-se o primeiro Estado Nacional, com a expulsão dos muçulmanos que ocupavam então seu território. Praticamente toda a Europa viu a centralização do poder em torno dos monarcas – absolutistas – naquela época. Apenas o Sacro Império Germânico e a Itália permaneceram fragmentados.

Faltava unidade…
Na verdade, a nobreza não se viu alijada do poder centralizado em torno dos monarcas, mas recebeu representação política nesse novo status quo, o que não impediu que a burguesia experimentasse desenvolvimento econômico significativo. Naquela época, o reino da França, por exemplo, estava fracionado em inúmeros ducados e condados que formavam grandes feudos e estava sujeito, por isso, ao poder dos senhores feudais, virtuais soberanos que, junto aos bispos – representantes dos feudos eclesiásticos – exerciam o governo da nação. Eram assim os exatores da justiça, moviam guerras e cunhavam moedas que não possuíam um padrão, uma unidade que as agregasse e identificasse. Os nobres de França reconheciam, sim, o poder do rei. A autoridade do monarca, todavia, limitava-se ao governo das cidades e das terras de sua propriedade.
Por aquela época, entretanto, o feudalismo entrou em crise. Isso foi só no fim da Idade Média, quando o poder real começou a se fortalecer. Então a Monarquia Feudal evoluiu para uma Monarquia Nacional, poderosamente centralizada. O processo, que se desenvolveu em toda a Europa, teve na França sua mais acentuada representação – naquela época.
Apesar de as monarquias nacionais só terem começado a surgir em profusão maior por volta do século 14, as origens desse sistema de governo podem ser encontradas já na Baixa Idade Média. Alguns costumam afirmar que a Europa começou a unificar seus reinos por volta do fim da Idade Média, o que não é uma completa verdade; tome-se o exemplo de Portugal e Espanha. Na realidade, desde o século 12 o processo vinha se desenvolvendo – como foi o caso nessas duas nações. O fato é que a História sempre teve essa característica acelerada. Os processos históricos evoluíam mais lentamente nos tempos antigos. Com o passar das eras as evoluções se deram e vêm se dando de maneira cada vez mais rápida, acelerada. Assim, as mudanças que puderam ser observadas entre os séculos 10 e 15 são em muito menos profusão do que aquelas que aconteceram no período seguinte, entre os séculos 15 e 20, por exemplo.
Dessa forma, o lento processo que se iniciara com o Condado Portucalense e os reinos de Aragão, Castela e Navarra, só viu sua culminância por volta do século 14 e 15, primeiro na França, depois no resto da Europa. Os resultados da centralização podem ser percebidos por meio da unificação legal (tribunais jurídicos, códigos escritos), unificação militar, monetária, delimitação precisa das fronteiras e unificação cultural. A Igreja, em algumas nações, se viu prejudicada em sua hegemonia, surgiram conflitos como a Querela das Investiduras e o Cisma do Oriente. Em outras, os Estados Nacionais promoveram, na verdade, uma expansão do poder eclesiástico, como a Inquisição Ibérica, por exemplo, e a posterior colonização da América.


O matrimônio entre Fernando de Aragão e Isabel de Castela selou a união dos reinos espanhóis. Dessa Formação, ocorreu o processo de expulsão dos muçulmanos que ocupavam a Península Ibérica | Foto: Shutterstock


Árabes mais avançados
Na verdade estados nacionais, monarquias centralizadoras não são uma novidade na História das nações e as houve desde a mais remota Antiguidade. Vejam-se os exemplos do Egito, do Império Assírio, de Roma, de Babilônia e Israel. Na realidade esses impérios, quase todos do Oriente, conviviam, frequentemente sob estado de beligerância com cidades-estados que tinham seus soberanos locais. O que ressalta no processo de formação dos estados nacionais europeus é o fato de que a Europa estava, naquela época, numa fase evolutiva de seu sistema de governança ainda aquém das nações de outros continentes. Haja vista, por exemplo, ao processo de invasão do Sul da Europa – que se iniciou em 710 com o chefe muçulmano Tárik –, o qual só se tornou exequível por causa da inferioridade técnica dos povos do continente subjugado em relação aos povos de origem árabe que perpetraram as diversas levas de ocupação. A superioridade técnica dos árabes pode ser constatada pelo fato de que sua grande evolução científica naquela época trouxe importantes descobertas para o Ocidente, como o astrolábio e a bússola, sem os quais as grandes conquistas marítimas de Portugal e Espanha, por exemplo, não seriam possíveis. Além de avanços como o desenvolvimento da química, foram os árabes que introduziram no mundo ocidental os algarismos arábicos e a álgebra.
Assim, o caráter fragmentário dos reinos europeus deu espaço para que os povos muçulmanos – que estavam num patamar mais evoluído do ponto de vista tecnológico (e, portanto, marcial) – levassem a termo seu processo de conquista do continente branco e cristão por meio de incursões a partir das costas mediterrâneas do norte e nordeste da África principalmente.


Morte de Roderic, por Tárik na batalha de Guadalete | Foto: Shutterstock


Passaram lá os árabes mais de 780 anos no total, só tendo sido expulsos completamente em 1492, ano do descobrimento da América! É interessante salientar que a nacionalização de monarquias como Portugal e Espanha se deu exatamente durante a ocupação moura, o que pressupôs muito conflito e foi, na verdade também uma consequência ideológica do sentimento de rancor pela humilhante submissão do brioso povo europeu aos árabes muçulmanos. Tal ressentimento acabou por criar uma corrente de solidariedade patriótica que, reunindo o povo daquelas nações em torno do ideal de coesão, moveu portugueses e espanhóis a almejar e combater pela centralização do poder, naquele momento, única arma realmente eficaz contra o inimigo invasor, cujo caráter gregário da religião islâmica os unia fortalecendo sua causa, em que pese a origem heterodoxa dos vários povos que, oriundos de diversos países perpetraram as invasões a partir do século 8º d. C.
Conflitos e a reconquista
Ao contrário de reinos como a Inglaterra, por exemplo, que possuía um governo mais centralizado, nações como a Itália permaneciam extremamente divididas até por volta do século 13. A Itália estava assim dividida em pequenas repúblicas cujas principais eram Milão, Veneza, Gênova, Siena e Verona. Ao norte existiam os Estados Feudais como o Ducado de Saboia e, ao sul, os Estados Pontifícios que se expandiram a partir da ação do papa Inocêncio III.
Ao sul da Península Itálica ficava o Reino da Sicília (capital Palermo), formado pelos Normandos, que lá se instalaram a partir do século 9º. Reportando-nos ao século 13, o conflito entre o papa e o Império Germânico afetou profundamente a Itália. A intervenção do papa na política italiana foi o que levou alguns a apoiarem o imperador alemão contra o pontífice. A Itália viu então um período de grave derramamento de sangue.


Batalha de Higueruela, 1431, decisiva na expulsão dos muçulmanos | Foto: Creative Commons


Na Península Ibérica, por sua vez, os pequenos reinos cristãos que se originaram com os visigodos, no Norte, começaram o processo de reconquista no século 11 e, com o apoio de guerreiros franceses e de outros países, iniciaram o processo de expulsão dos muçulmanos, que então recuaram para o litoral. Ocorreram, porém, novas invasões muçulmanas, oriundas principalmente do Marrocos (século 12). Entretanto, apesar disso, a maior parte da Península Ibérica havia sido retomada. Um dos marcos principais da reconquista foi a Batalha de Las Navas de Tolosa, em 1212. Nela os cristãos, liderados pelo rei Pedro II, de Aragão, venceram os árabes num dos capítulos finais da ocupação. Antes haviam se formado, ainda durante a ocupação moura os reinos de Aragão, Castela, Navarra e Leão – este último deu origem a Portugal e os três primeiros formaram a Espanha.

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