Viagem ao Cerrado
Em minha tenra idade, estava eu em meio ao rico e vasto solo goiano. No meio do cerrado onde árvores retorcidas compunham o cenário com morros e chapadas eu me encontrei com um grupo de colegas, amigos de escola, uma escola pública onde geralmente os guris não sabem muito bem o que será do futuro, não que alunos de outros tipos de escola saibam, mas alunos de escolas públicas da periferia das cidades geralmente tem o futuro mais incerto que os outros, ou seja, tudo pode acontecer.
Nessa viagem que me deixou a vontade pra me sentir em casa, estava acompanhado de meninas dedicadas ao estudo, que mesmo com a aparência frágil de pré-adolescente magrela se comporta como leão faminto em busca de conhecimento. Fomos a um alojamento, daqueles que você fica imaginando como alguém conseguiu construir em um lugar tão ermo, e ao mesmo tempo fica se auto corrigindo lembrando que também Goiânia não é nenhuma megalópole do planeta terra. A estrutura era boa, parecia como de uma chácara de retiros espirituais que a Igreja videira possui lá em Aparecida de Goiânia e uma vez instalados, logo a noite houve um evento de gala com o que me pareciam ser professores e alunos. Eu só me lembro que em meio a solenidade já estava comendo antes de todo mundo começar a comer, a professora Daniela estava me observando e com certeza viu o momento que roubei salgadinhos da mesa, mas não tinha tanto problema assim, pois comida era muita graças a Deus. Mas do meio pro fim, eu vi que derrepente os meus amigos foram surgindo entre os convidados da festa, amigos verdadeiros de infância apareceram de terno e social, alguns casados já, e me cumprimentaram, fiquei sem entender de onde eles surgiram e deu uma leve confusão de anacronismo do sonho. Porém eu segui no mesmo ambiente pronto pra dormir, mas essa cena foi tão rápida quanto a minha vontade de desbravar o mato de Goiás. Surgiu então uma figura emblemática, um ser que estava no plano de fundo das cenas anteriores, mas agora ganhou o protagonismo do sonho pois estava guiando a turma toda no meio do lindo cerrado Goiano, um senhor com seus 60 e poucos anos, bem disposto, falador, animado, de cabelo branco, sorriso fácil, pronto pra contar uma curiosidade ou uma história de longo tempo de vida, usava óculos de grau de velho, uma camisa polo de cor desbotada, um short jeans e sandálias franciscanas, seu nome era Jandaia, seu Jandaia nos orientou todo percurso falando das riquezas daquela terra, de como os índios detinham tanto conhecimento, de como aquela reunião era rica em belezas naturais, rica em bacias hidrográficas, solo fértil, frutas deliciosas. E todas suas falas eram baseadas na cena presente onde ele parava e explicava além de nos deixar curtir o local na maior paz de Deus.
De repente começou um pequeno burburinho questionando, quem era aquele velho falador, os alunos menos interessados começaram a soltar palavras maliciosas, e as meninas mais dedicadas que ficaram no pé do Jandaia foram até ele pra que ele fale mais de si. Tinham um grupo mais atrás e ele esperou todo mundo se ajuntar pra falar: — Sim, eu sou o Jandaia, ex professor da Católica, fui advogado de carreira, trabalhei no ministério público, fui assessor de prefeito e governador, mas cansei dessa vida e agora fico aqui mostrando essa terra pela qual sou apaixonado. Eu me admirei junto aos colegas que comigo estavam, que aquele senhor a quem não dava-mos tanto valor já teve tanta história e experiência de vida, ele não falou como que pedindo respeito ou admiração, ele só falou a título de conhecimento, mas ele gostava de ser visto mesmo era como o Jandaia, que percorria o cerrado e suas belezas e das suas mangas tirava sempre uma curiosidade interessante, tanto pra ele de contar quanto pra quem era seu ouvinte. Dei um suspiro e feliz de estar naquele lugar, me lembrei que estava chovendo no meu quarto, e o barulho da chuva aumentou, uma goteira fazia barulho e tive que acordar bem ligeiro pra colocar um baldinho em baixo pra não molhar tudo de uma vez. Pra minha tristeza, era tudo um sonho, estou com 24 anos e dormindo numa noite de Julho de 2018, em Pelotas, Rio Grande do Sul, meu sonho se passou nos meados dos anos 2009/2010 quando eu estudava na rede pública estadual lá em Goiânia, o que posso levar disso tudo é que embora viva outra realidade, hoje universitário, jovem trabalhador e tudo mais, posso sentir mesmo que por uma viagem ao passado de um sonho, coisas que realmente existiram e nunca mais sairão de mim.
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