Vamos fazer um filme!

Que mundo louco, refletindo eu descobri que não é a arte que imita a vida, a vida é a arte, a arte da vida ressurge com capítulos imprescindíveis, cenas inesquecíveis, emoções marcantes que deixar rastros no coração de quem viveu.



Sou um sujeito teimoso e inquieto, acredito que isso me sou característico desde a infância. Lembro-me bem de ouvir as "tias" da escola e professoras ensinando e dizendo para a molecada ser obediente e quietinha, ser obediente e quieto foi pra mim durante muito tempo, sinônimos de pessoas que estavam no caminho correto, que são os mais bem classificados em uma régua de medir quão bom você é para o mundo. Eu só fui aprendendo, enquanto fui crescendo que nem sempre quem era o mais "quietinho" era o mais desenvolto em relação a aprender as coisas que a vida ensina, principalmente o lugar que nasci, se você não sabia abrir a boca pra manifestar personalidade, ou não tinha a capacidade de tomar iniciativa das coisas e ficava esperando, logo era colocado de escanteio. Logo entendi que ficar quietinho e ser obediente estava circunscrito a um determinado tempo e lugar na minha vida, que a minha vida muito mais vezes iria exigir que eu fosse o contrário disso. 


      Olhando para trás depois de completar meus 26 anos agora em 2020, me lembro do poema de Carlos Drummond de Andrade em que ele dizia que "Mal sabia ele que a vida dele era mais legal de Robson Crusoé", Drummond teve essa inspiração ao perceber a sua própria vida, os conflitos malucos pelos quais passou, as pessoas extraordinárias que estavam à sua volta. Ele, como poeta grandioso que foi e que é, em um momento de lucidez viu a poesia e a arte da sua própria vida, se encantou com o cotidiano, o seu banal que viraria um quadro valioso num mundo futuro. E assim me vejo, olhando como um cidadão normal, um jovem adulto no século vinte e um, passando por todas as coisas loucas com milhões igual a mim. Uma música como essa me faz viajar no embalo da melodia, enquanto eu pedalo pela rodovia entre Pelotas e Rio Grande, ao extremo sul desse país. Essa música, mesmo com meu fraco inglês me fala de um mundo normal, um mundo que está acontecendo, um mundo que é maravilhoso e é o mundo que eu vivo. Não posso chorar pelo mundo que ainda não vivi, e que nunca viverei, mal sabia eu que minha história era mais bonita que a de Carlos Drummond de Andrade. Todas os fatos concatenados, uma junção de histórias malucas, outras inesperadas, outras normais mesmo, caminho que tinha que acontecer pra gerar o mundo extraordinário do hoje! O hoje tem pandemia, o hoje tem quarentena, o hoje tem crise política e econômica, o hoje tem governo incompetente, porém o hoje tem mais que isso, tem muito mais que isso, o hoje tem eu! O hoje tem eu e outras tantas pessoas incríveis que partilham a existência neste mesmo mundo maluco que eu. 

Uau, nem dá pra imaginar, como a escama da ingratidão pode me impedir de ver o óbvio, já se passaram tanto anos, eu ainda estou aqui, já passei tanta coisa, tanta coisa foi vencida e superada. Uma pobreza extrema em um bairro perigoso, uma infância sem a presença do pai, porém com a presença dos avós, dos tios, de amigos de bairro, altas aventuras na infância, ser preso pela polícia por invadir o quartel de cavalaria pra tomar banho na "represinha", invadir o gramado do estádio no último dia do campeonato, pegar o meião do melhor goleiro do meu time de todos os tempos, chorar por não passar nas peneiras dos times que tentei, viajar com a Igreja para falar de Deus, passar no vestibular de matemática, perder a mãe, o pai, a vó e tantos outros que eu amava tanto, quase me tornar pastor evangélico, me envolver com politica, com movimento estudantil, com atlética, com empresa júnior, com liga de investimentos, viajar de avião pela primeira vez e sozinho, morar em outra cidade, conhecer gente nova, peitar o mundo, aprender coisas novas, conhecer outro país, pedalar até Montevidéu... E pensar que tudo era só o inicio ainda da vida, que tem muito mais pela frente.  


Olha, essas coisas todas são apenas vagas lembranças de um esforço superficial, claro que tive muito mais acontecidos em minha vida, mas pensa, só minha vida já daria um enredo e tanto, imagine agora várias linhas de destino se cruzando o tempo todo, e as que se cruzaram comigo, tanta história incrível, gente que virou bandido, gente que virou herói, gente que se deu bem, gente que se deu mal. Eu tava pensando em como seria louco um filme da nossa vida. Já disseram que no juízo final haverá um telão celestial mostrando nossa vida diante dos nossos olhos, eu vou ficar muito feliz de ver todos os erros e acertos, não tenho mais, como tinha, medo de ser repreendido num dia de juízo final, pois tanta coisa que não tinha e sentido que passa a fazer sentido depois de um tempo, e outras que ainda não fazer, mas sei que poderá fazer mais pra frente, e ora bolas, se não fizer também, essa é a vida, não há replay, não há pause, o play já foi dado e o que nos resta é cumprir o roteiro que nós mesmos também temos o poder de escrever. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SE MARAVILHAR COM AS COISAS DA VIDA

SQL em escala com o Apache Spark SQL e DataFrames - conceitos, arquitetura e exemplos

Dilemas econômicos: Teorema de Arrow