A arte perdida da caligrafia

Umberto Eco

A arte perdida da caligrafia Recentemente, dois jomalistas italianos escreveram um artigo de jornal de três páginas (em letras de imprensa - ai de mim!) sobre o declinio da caligrafia. Agora já é fato conhecido: a maioria das crianças - devido aos computadores (quando elas os usam) e às mensagens de texto - não consegue mais escrever a mão, exceto em suadas letras maiúsculas.


Em uma entrevista, um professor disse que os alunos também cometem muitos erros de ortografia, o que me parece um problema em separado: médicos sabem escrever e, mesmo assim, suas escritas são sofriveis, e você pode ser um especialista em caligrafia, mas escrever "conserto", e não "concerto".


Eu conheço crianças cuja caligrafia é bastante boa. Mas o artigo fala em 50 por cento de italianinhos - e eu suponho que seja graças a um destino indulgente que eu frequente os outros 50 por cento (algo que me acontece também na arena politica). A tragédia começou bem antes do com-

[27/10 08:44] Igor Durkheim: A caligrafia de meus pais era ligeiramente inclinada, porque eles posicionavam o papel em ángulo e suas letras eram, pelo menos para os padrões atuais, pequenas obras de arte.


Na época, alguns - provavelmente aqueles com letra feia - diziam que a caligrafia elegante era a arte dos tolos. É óbvio que caligrafia bonita não significa, necessariamente, inteligência refinada. Mas era prazeroso ler notas ou documentos escritos de maneira mais correta.


    Minha geração foi treinada para ter boa caligrafia e nós passavamos os primeiros meses da escola primária aprendendo a traçar as letras. Posteriormente, o exercicio foi tido como obtuso e repressivo, mas ele nos ensinou a manter o pulso firme ao usarmos a caneta para formar letras arredondadas e delicadamente desenhadas. Bem, nem sempre porque as canetas tinteiro, com as quais sujávamos carteiras, livros, cadernos, dedos e roupas, costumavam produzir uma borra desagradável que grudava na caneta e obrigava a dez minutos de lambança para limpar A crise começou com o advento da caneta esferográfica. As primeiras esferográficas também faziam sujeira - se, imediatamente após escrever, você passasse o dedo sobre as últimas palavras, era inevitável aparecer um borrão. E as pessoas já não tinham muito interesse em escrever bem, já que a caligrafia feita com uma esferográfica, mesmo que limpa, não tinha mais alma, estilo ou personalidade.


    Por que deveriamos lamentar o passamento da boa caligrafia? A capacidade de escrever bem e ve- lozmente em um teclado estimula o pensamento rápido e, com frequência (não sempre), o corretor ortográfico irá sublinhar um erro de grafia.


      Embora o celular tenha ensinado a geração mais jovem a escrever "Kd ve?" no lugar de "Cade você?", não nos esqueçamos de que nossos antepassados ficariam chocados ao ver que escreve- mos "farmácia" e não "pharmacia", ou "xicara" em vez de "chicara". Teólogos medievais escreviam "respondeo dicendum quod," coisa que teria feito Cicero se revirar no túmulo.


    A arte da caligrafia nos ensina a controlar nossas mãos e encoraja a coordenação mão-olho.


    O artigo de três páginas apontava que a escrita a mão nos obriga a compor a frase mentalmente antes de escreve-la. Graças à resistência da caneta e do papel, somos forçados a parar para pen- sar. Muitos escritores, embora acostumados a escrever no computador, algumas vezes até preferem imprimir letras em uma placa de argila, porque assim podem pensar com mais calma. É verdade que as crianças escreverão cada vez mais em computadores e celulares. Apesar de tudo. a humanidade aprendeu a redescobrir muitas coisas que a civilização eliminara como desnecessárias, como nos esportes e prazeres estéticos.


     As pessoas não viajam mais a cavalo, mas algumas fazem aulas de equitação, existem iates motorizados, mas muita gente é tão devotada à arte de velejar quanto os fenicios de três mil anos atrás, há túneis e ferrovias, mas muitos ainda apreciam caminhar a pé por passagens alpinas; há pessoas que colecionam selos na era do email, e exércitos vão à guerra com rifles Kalashnikovs, mas também organizamos pacificos torneios de esgrima. 

     Seria bom se os pais enviassem os filhos a escolas de caligrafia, para que eles pudessem participar de competições e torneios - não só para adquirir base em algo que é belo, mas também para seu bem-estar psicomotor. Tais escolas já existem, basta procurar "escola de caligrafia" na internet. E, talvez para aqueles com mão firme e sem emprego estável, ensinar essa arte possa se tomar um bom negócio.



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